Processo movido por ONG era considerado histórico por cobrar medidas da petroleira.
A gigante do petróleo Shell conseguiu reverter na Justiça da Holanda uma decisão que a obrigava a fazer uma redução expressiva em suas emissões de gases de efeito estufa.
Na manhã desta terça-feira (12), a corte de apelações de Haia anulou um julgamento de primeira instância, ocorrido em 2021, que determinava que a companhia cortasse as emissões de carbono em 45% até o fim de 2030, em relação aos níveis de 2019.
O julgamento realizado há três anos foi considerado histórico por ambientalistas de todo o mundo, mas acabou anulado após uma extensa batalha legal.
Na análise do recurso feita agora, a juíza responsável considerou que a Shell está no caminho para atingir as metas exigidas para suas próprias emissões. Na avaliação da magistrada, não ficou claro se as exigências para cortar as emissões causadas pelo uso dos produtos da empresa ajudariam no combate às mudanças climáticas.
A sentença, no entanto, voltou a considerar que a Shell tem a responsabilidade de reduzir suas emissões, mas não impôs uma obrigação quantificada para esse corte.
“Estamos satisfeitos com a decisão do tribunal, que acreditamos ser a correta para a transição energética global, para os Países Baixos e para nossa empresa”, disse o CEO da empresa, Wael Sawan.
Donald Pols, diretor da Milieudefensie, braço holandês da organização ambientalista Friends of the Earth, que apresentou a ação contra a petroleira com o apoio de mais de 17 mil pessoas e outras 6 organizações, lamentou o resultado, mas destacou que o processo, iniciado em 2018, trouxe avanços na luta contra o aquecimento global.
“Isso dói. Ao mesmo tempo, vemos que este caso garantiu que grandes poluidores não sejam invioláveis e intensificou o debate sobre sua responsabilidade em combater as mudanças climáticas perigosas. É por isso que vamos continuar a enfrentar grandes poluidores, como a Shell”, afirmou.
“Uma coisa é clara: a luta contra os grandes poluidores é uma maratona, não uma corrida de velocidade”, completou.
A organização não governamental considera que, apesar do revés, houve pontos positivos na decisão.
“A Suprema Corte determinou que a Shell tem uma responsabilidade individual de reduzir suas emissões de CO2 para evitar mudanças climáticas perigosas. O tribunal também declarou claramente que a exploração de novos campos de petróleo e gás contraria o Acordo de Paris sobre o clima. E o Tribunal ressaltou, de forma inequívoca, que a proteção contra as mudanças climáticas é um direito humano e que não apenas os Estados, mas também empresas como a Shell, têm a obrigação de proteger os direitos humanos”, destacou a Milieudefensie, em nota.
Ao longo do processo, a Milieudefensie apresentou evidências à corte de que, apesar de aumentar o volume de energias renováveis, a empresa também planejava desenvolver centenas de novos campos de petróleo e gás, apesar dos seguidos alertas sobre necessidade de interromper o uso de combustíveis fósseis para travar os piores feitos do aquecimento global.
Durante o julgamento do recurso, a Shell argumentou que emissões corporativas não são uma questão do judiciário, dizendo ainda que combustíveis fóssil que não fossem extraídos pela empresa poderiam simplesmente ser explorados por outras companhias.
Lançado há menos de um mês, um relatório do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) indicou que, nas condições atuais, o planeta se encaminha para um aumento de temperatura de até 3,1°C.
Para garantir que o aquecimento global se mantenha dentro do limite de 1,5ºC acima dos valores pré-industriais –a meta preferencial decidida pela comunidade internacional no Acordo de Paris, considerada o teto para evitar os piores efeitos das mudanças climáticas– as reduções precisariam cair 57% até 2035.
Uma mudança dessa magnitude exigiria, como um dos pilares centrais, uma queda drástica no uso de combustíveis fósseis, responsáveis por uma fatia expressiva do CO2 emitido.
Ainda há possibilidade de recursos, no âmbito da Suprema Corte holandesa, ao resultado do julgamento desta terça-feira.
Responsável pela queixa inicial, a ong Milieudefensie indicou que irá analisar em detalhes a atual decisão antes de decidir se avança com um recurso. A entidade considera, contudo, que continua a haver possibilidades de ações legais contra empresas poluidoras.
Nos últimos anos, os tribunais têm sido palco de um número crescente de ações relacionadas às questões climáticas. O próprio IPCC, o painel de especialistas do clima da ONU, reconheceu, em 2022, o papel desses processos para influenciar “o resultado e a ambição da governança climática”.
A chamada litigância climática está presente em inclusive no Brasil. Um levantamento publicado pela London School of Economics revelou que pelo menos 230 novos casos climáticos foram abertos em todo o mundo apenas no ano passado.