Por seu gigantismo e sua visibilidade, a Petrobras é um exemplo emblemático dos rumos que vêm sendo
dados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva às estatais, enquanto ele tenta viabilizar em outras frentes o revogaço das mudanças implementadas de 2016 a 2022 para conter a atuação do Estado empresário.
Embora a Petrobras tenha autonomia de gestão, Lula age como se fosse dono da empresa, dando pitacos na política de preços dos combustíveis, nos investimentos, na distribuição de dividendos e em tudo o mais que envolva a petroleira, símbolo maior do estatismo nacional.
“O presidente já falou um milhão de vezes que, tanto em relação à política de preços quanto em relação à política de investimentos da Petrobras, sendo uma empresa estratégica, ele vai atuar como o controlador”, disse recentemente o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista à CNN Brasil.
Amparado por uma liminar concedida em março de 2023 pelo então ministro do STF (Supremo Tribunal
Federal), Ricardo Lewandowski, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, que suspendeu a Lei das
Estatais até o julgamento de sua constitucionalidade pelo plenário, o que só ocorreu no mês passado, Lula conseguiu indicar velhos “companheiros” para ocupar cargos relevantes na empresa.
Apesar de o STF ter decidido que a Lei das Estatais, que restringe a nomeação de políticos, dirigentes
partidários e sindicalistas para o comando de empresas e bancos públicos, está em conformidade com a
Constituição, deu seu aval para o presidente manter nos cargos quem foi nomeado antes do julgamento,
mesmo que as nomeações estejam em desacordo com a legislação em vigor.
“As ações do governo passam pelo pleno cumprimento da Lei das Estatais, a permanente fiscalização dos
órgãos de controle e a consolidação dos mecanismos internos de governança de cada empresa”, diz o
Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), em nota enviada à reportagem do Estadão.
Por sua obsessão em ampliar a produção nacional de fertilizantes, mesmo que a iniciativa se mostre
antieconômica, Lula também levou a Petrobras a retomar as atividades da Araucária Hidrogenados, que
tinham sido paralisadas em 2020, porque a empresa só dava prejuízo. Ele também determinou a retomada das obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que já consumiu US$ 18,5 bilhões da estatal, e quer que a companhia ajude a alavancar a indústria naval brasileira.
“O Brasil não tem uma indústria naval competitiva. A China, a Coreia e o Japão têm uma tecnologia superior e produzem em larga escala para o mercado global e não para um mercado só e para um cliente só. Mesmo que o cliente seja grande, o custo da produção no País é superior, a qualidade não é tão boa, há atrasos na entrega e, no passado, isso já foi muito danoso para a Petrobras”, afirma o economista Roberto Castello Branco, ex-presidente da Petrobras. “É uma aposta no que já deu errado. O bom senso manda não fazer isso. Você pode errar, mas repetir erros é imperdoável.”
Também por pressão de Lula, a Petrobras conseguiu reverter uma decisão de 2019 do Cade (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica) que determinava a venda de oito refinarias da empresa – das quais três (RLAM, Reman e Six) chegaram a ser repassadas para o setor privado no governo Bolsonaro – com a
justificativa de que um mesmo controlador, no caso a própria estatal, não poderia manter ativos considerados potencialmente concorrentes.
Agora, com o novo posicionamento do órgão, a Petrobras poderá manter o controle das outras cinco
refinarias que a empresa teria de vender. Além disso, a Petrobras cancelou a venda da refinaria Lubnor, em Fortaleza, que havia sido anunciada em maio de 2022, e estava em processo de conclusão, rescindindo o contrato firmado com o comprador, a Grepar Participações.
Imbróglio dos dividendos Até a marca BR Distribuidora, licenciada para a Vibra Energia até 2029 quando da privatização da companhia, há três anos, o governo Lula quer retomar, para um eventual retorno da Petrobras ao mercado de distribuição de combustíveis, que o presidente defende com entusiasmo.
O imbróglio em relação ao pagamento de dividendos pela estatal, que recheou o noticiário algumas semanas atrás, é outro episódio que ilustra com perfeição a que nível chegou a interferência política na sua gestão. Em março, o então presidente da Petrobras Jean Paul Prates chegou a reter, com apoio de Lula, 100% dos dividendos extraordinários (R$ 42 bilhões) da empresa, alegando que os recursos eram indispensáveis para viabilizar seu plano de investimentos.
Haddad, no entanto, interessado em receber a parte da União nesse quinhão, para amenizar o rombo nas
contas públicas, conseguiu convencer Lula a rever sua posição e no fim a Petrobras acabou aprovando a
distribuição de 50% do valor que havia retido, de R$ 21,5 bilhões, dos quais R$ 6 bilhões foram destinados à União, controladora da companhia, segurando a parcela restante para pagamento futuro.
O episódio, porém, deixou sequelas. A resistência de Prates em distribuir os dividendos extraordinários e em realizar investimentos pesados para recuperar a indústria naval do País, como quer Lula, acabou levando à sua demissão e à indicação da ex-diretora-geral da ANP (Agência Nacional de Petróleo), Magda Chambriard, para substituí-lo. “Nossa gestão está totalmente alinhada com a visão do presidente Lula e do governo federal” disse a nova comandante da Petrobras, ao tomar posse no cargo, na quarta-feira, 19.
“O presidente da Petrobras está subordinado ao presidente da República, que costuma se julgar dono da
companhia, e tem de conciliar interesses políticos com interesses econômicos, que são inconciliáveis”, afirma Castello Branco. “O presidente da República quer intervir nos preços, quer intervir na gestão do portfólio da empresa, quer investir em ativos que não fazem parte do negócio, quer influenciar as decisões da diretoria, dos executivos, da gerência. Então, é simples: ou a pessoa se subordina integralmente ao que o presidente da República quer ou então está fora, o que acaba gerando essas crises.”
Apesar de o governo Lula 3 ainda não ter completado dois anos, outras estatais também já apresentam
sintomas preocupantes na gestão e na governança. Os Correios, por exemplo, cuja privatização estava na
fase de consulta pública no PPI, colocaram o balanço do primeiro trimestre do ano sob sigilo, pela primeira vez na história. A medida teria sido tomada para esconder o enorme prejuízo registrado no período. De acordo com fontes da empresa, as perdas teriam chegado a R$ 800 milhões, puxadas pela alta das despesas gerais e administrativas, e superariam o rombo registrado no ano passado todo, de R$ 597 milhões.
O caso já teve repercussões no Congresso e ainda deverá gerar muito tititi. Em meados de junho, a deputada Bia Kicis (PL-DF) apresentou à Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara uma proposta de fiscalização e controle para investigar possíveis irregularidades e apurar responsabilidades na gestão financeira e patrimonial dos Correios.
Por orientação de Lula, até os bancos públicos (BNDES, Caixa e Banco do Brasil), que já foram protagonistas no mundo dos negócios nas gestões anteriores do PT, voltaram a entrar na farra estatista, com a liberação de financiamentos de R$ 56,4 bilhões a estados e municípios, para realização de obras de infraestrutura – uma quantia que supera a soma dos valores liberados pelas mesmas instituições nos quatro anos anteriores. “Tem gente que acha que o dinheiro do BNDES deveria ser devolvido para os cofres do Tesouro, quando na verdade o dinheiro é para investir”, disse o presidente em cerimônia realizada para anunciar os créditos, em dezembro do ano passado.
Lembrando os tempos em que o governo se metia no mercado de alimentos, controlando preços na
canetada, na década de 1980, Lula forçou a realização de um leilão, que acabou anulado por suspeita de
irregularidades, para compra de quase 300 mil toneladas de arroz importado pela Conab (Companhia
Nacional de Abastecimento), já rebatizada nas redes sociais de Arrozbras. O objetivo alegado pelo governo era conter uma suposta alta de preços provocada pela falta do produto – negada pelos produtores gaúchos – em razão das cheias que atingiram o Rio Grande do Sul.
Chip do boi
Mesmo depois do fracasso do primeiro leilão, que levou à demissão do secretário de Política Agrícola, Neri Geller, suspeito de envolvimento nas irregularidades, o governo não desistiu da compra do arroz importado. A ideia é vender o produto diretamente para supermercados, com preço tabelado em R$ 4 por quilo – um valor menor do que o preço médio cobrado hoje do consumidor – em uma embalagem com a logomarca do governo federal.
Depois de “ressuscitar” Ceitec, mais conhecida como “a empresa do chip do boi”, que estava em processo de liquidação, por nunca ter dado lucro desde a sua fundação, em 2008, Lula agora pretende criar uma espécie de Internetbras.
Com a retirada de uma proposta do Ministério da Educação para contratar a Starlink, do empresário Elon Musk, para oferecer um sistema de acesso à internet por satélite a escolas localizadas em áreas remotas, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) decidiu incumbir a Telebras de oferecer o mesmo serviço. Detalhe: hoje, a Starlink é a única empresa do mundo que tem uma rede de satélites capaz de atender a necessidade do governo com conexão de alta velocidade.
O Estado de São Paulo