Quem atua no mercado indica uma estrutura detalhada de facções criminosas para atuar em todas as cadeias do setor de combustíveis
Para aumentar a capilaridade operacional e financeira no território brasileiro, o Primeiro Comando da Capital (PCC) avança sobre o setor de combustíveis no Brasil. A organização já teria o controle de mais de 900 postos no Brasil e cinco usinas de etanol, além de atuar também na distribuição dos produtos. Outros grupos como o Comando Vermelho e o Comando Norte também se organizam neste mercado, conforme o Instituto Combustível Legal (ICL).
A opção, inclusive, é estratégica, já que a arrecadação de impostos estaduais neste ramo movimenta mais de R$ 20 bilhões só com a venda de gasolina, etanol e diesel. O avanço do PCC sobre o mercado chegou a ser comentado, em maio, pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), durante uma agenda em Nova York.
Na ocasião, Freitas afirmou que a organização criminosa comanda 1.100 postos de combustíveis em São Paulo. O número, no entanto, foi retificado pois diz respeito ao controle da facção em todo o país. “O que me preocupa no crime organizado é quando a gente vê que estão começando a comprar usinas de etanol, porque eles não vão pagar o preço justo pela cana-de-açúcar, vão chantagear o produtor para pagar um preço menor e usar a força para isso”, disse, em maio, o governador.
A reportagem conversou com uma fonte do mercado de combustíveis, sob a condição de anonimato. Segundo o relato, os casos eram registrados pontualmente dois ou três anos atrás, mas o cenário mudou rapidamente. “Isso saiu do pontual e se tornou uma coisa muito estruturada. Identificaram que o setor de combustíveis é tangível para eles. O montante de dinheiro circulando é propício para lavagem de dinheiro”, afirmou.
Para aumentar a penetração no setor, as facções criminosas avançam para os diversos elos da cadeia além dos postos, chegando às distribuidoras, usinas e formulação de combustíveis. Em todas as etapas, os bandidos utilizam laranjas para viabilizar os negócios. “Toda a área que envolve o setor de combustíveis é prejudicada. O setor de combustíveis é que mais arrecada em termos de impostos, quando consideramos tributos federais e estaduais”, complementa a fonte. Os cálculos feitos no mercado apontam que o prejuízo com sonegação de impostos no setor de combustíveis gera um rombo de até R$ 14 bilhões ao país – o valor engloba não só a atuação de facções criminosas. Já com fraude e adulteração na venda de combustíveis o desfalque chega a R$ 19 bilhões. “Do ponto de vista concorrencial, não há possibilidade de um bom empresário competir com quem atua na irregularidade”, lamenta.
Atuação
No Brasil, as facções usam o mercado de combustíveis como pano de fundo das práticas criminosas em praticamente todas as regiões. Os estados com maior concentração são Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Bahia e Pernambuco. “E mais recentemente chegaram ao Centro-Oeste, em Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que são grandes produtores de etanol”, acrescenta a fonte.
Em Minas Gerais, as operações estão concentradas no Triângulo Mineiro e Sul do estado, devido à proximidade com os estados paulista e fluminense. A reportagem procurou o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo de Minas Gerais (Minaspetro) para entender a atuação de grupos criminosos em território mineiro, mas até esta publicação nenhum retorno foi enviado.
Em nota, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) informou que não apura nenhum caso do tipo no estado. A reportagem também entrou em contato com o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Em nota, a pasta informou que existem iniciativas para combater o crime organizado.
A atuação é feita por meio da Diretoria de Operações Integradas e Inteligência e envolvem a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) também foi procurada, mas não se posicionou.
Procurador diz que faltam dados
O procurador do Ministério Público de São Paulo (MPSP) Márcio Sérgio Christino afirma que ainda não há nenhuma investigação mostrando a entrada e estruturação do PCC e de outras facções criminosas no mercado de combustíveis. “Temos esse assunto sob a perspectiva da análise. Não temos, ainda, dados sobre a realidade dessa expansão. Não foi detectado em nenhum processo que isso havia acontecido.
É uma perspectiva analística viável, possível, mas que ainda não encontramos dados para dizer que ocorre dessa maneira”, enfatiza o procurador que também é autor do livro “Laços de Sangue: A História Secreta do PCC”.
O procurador ainda reforça que o caso é de difícil investigação, tendo em vista que a base operacional do PCC hoje está na Bolívia. “É uma investigação que ainda vai se desdobrar. Colher elementos fora do Brasil é mais complicado e, até onde se sabe, não utilizam muitos meios tradicionais, mas sim o mercado paralelo”, arremata.
O Tempo