Segundo o Ministério do Trabalho, a nova atualização entrará em vigor de forma orientativa e empresas não serão penalizadas caso não sigam as diretrizes para evitar metas excessivas, jornadas extensas, assédio moral, entre outros.
O governo federal oficializou nesta quarta-feira (24) o adiamento da atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que define diretrizes para a saúde no ambiente de trabalho e que passaria a incluir o tema da saúde mental.
Conforme o g1 havia informado, sob pressão das empresas, o governo avaliava adiar por um ano a atualização. Nesta quarta-feira (24), o Ministério do Trabalho confirmou que vai manter a medida e lançou uma cartilha com orientações, mas nenhuma empresa que descumprir as regras previstas poderá ser multada em um período de até um ano.
Em nota, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, diz que a medida tem como objetivo proporcionar um período de adaptação para que as empresas ajustem seus processos e promovam ambientes de trabalho mais seguros.
“Durante esse primeiro ano, será um processo de implantação educativa, e a autuação pela Inspeção do Trabalho só terá início em 26 de maio de 2026”, explicou.
Isso significa que o poder de fiscalização para pontos como metas excessivas, jornadas extensas e assédio moral foi adiado. Para se ter uma ideia, a previsão do Ministério era de que as multas poderiam chegar a R$ 6 mil, dependendo do tipo e quantidade de infrações.
Governo sob pressão
Conforme o g1 mostrou com exclusividade, o “recálculo de rota” para a medida, que havia sido anunciada desde o ano passado, foi tomada após reunião com sindicatos patronais. Essas entidades que representam as empresas e vinham pressionando contra a mudança. Especialistas de saúde mental e trabalho criticam o adiamento. (entenda mais abaixo)
As empresas alegaram, faltando pouco mais de um mês para o início da atualização, que o Ministério do Trabalho não havia divulgado uma cartilha que trouxesse com mais clareza os detalhes do que precisava ser feito a tempo da cobrança.
Apesar disso, os auditores fiscais do trabalho alegam que as regras exigidas não eram uma novidade e que não seria difícil a implementação.
Em reunião com o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, os sindicatos patronais, que representam as empresas, alegavam que:
- A medida acabava colocando sob a empresa a responsabilidade por problemas de saúde mental, que são globais;
- Gasto extra não previsto com profissionais de saúde mental;
- Falta de clareza sobre a aplicação da norma.
Em nota, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) reforçou que a regulamentação de temas complexos, como a atualização da NR-1, exige clareza técnica, objetividade e previsibilidade jurídica.
“A saúde mental não é uma ciência exata. Não dá para afirmar com certeza se o problema está no trabalho, na escola, na família ou nas relações sociais. Se não houver um limite claro de responsabilidade, corremos o risco de paralisar o processo produtivo sem critérios técnicos”, defendeu o presidente da FIEMG, Flávio Roscoe.
Já a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) disse que as empresas não têm recursos para aplicação da norma, nem como identificar os riscos para a saúde mental envolvidos nas suas atividades.
Agora, a cartilha foi lançada e, para acompanhar a implementação da norma, será criada uma Comissão Nacional Tripartite Temática, com participação de representantes do governo, das entidades sindicais e do setor empresarial.
O que argumentou o governo
Pressionado, o governo alega que a medida será implementada a partir do dia 26 de maio, mas de forma educativa e orientativa durante um ano — uma proposta da divulgada.
A alegação do governo é que vai usar esse tempo como preparação, com a criação de uma versão da atualização mais “informativa e educativa”. Além da criação de um grupo de monitoramento para acompanhar a implementação.
O g1 questionou o Ministério do Trabalho sobre o porquê só agora essas medidas foram adotadas, já que a atualização foi uma proposta ministerial e com debates que vem desde o ano passado, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
A pasta informou que os detalhes devem ser oficializados por meio de portaria, que será divulgada no Diário Oficial da União, mas não informou quando.
O que muda com a atualização da NR-1
A atualização da norma foi anunciada em agosto de 2024 — ano em que o país teve o maior número de afastamentos do trabalho por saúde mental em 10 anos, como mostrou o g1 com exclusividade.
A NR-1 traz todas as diretrizes para garantir a saúde do trabalhador no ambiente de trabalho. Com a atualização, ela passaria a incluir os riscos psicossociais.
- 🔴 O que isso significa: que o MTE passaria a fiscalizar as empresas, podendo, inclusive, aplicar multas caso fossem identificadas questões como metas excessivas, jornadas extensas, ausência de suporte, assédio moral, conflitos interpessoais, falta de autonomia no trabalho e condições precárias de trabalho.
➡️ Ou seja, isso passaria a ter o mesmo peso de fiscalização de pontos como questões que envolvem acidente de trabalho ou doença.
Especialistas criticam o adiamento
A possibilidade de adiamento acontece depois de um ano em que o país bateu o recorde de afastamentos por saúde mental em 10 anos. Foram mais de 470 mil licenças do trabalho.
O que os especialistas citam é que a mudança seria um retrocesso diante do cenário nacional e que o trabalho é um fator estressor importante na saúde mental.
A mestre em ciências sociais e consultora sobre trabalho, Thatiana Cappellano, reforça que o ambiente de trabalho é um fator importante nas questões de saúde mental e que as empresas fazem pressão porque não querem olhar para os problemas estruturais.
🔴 Alguns dos pontos citados pelos especialistas em saúde mental e trabalho como responsáveis pelo aumento nos afastamentos por transtornos psicológicos são a precarização do trabalho, o déficit salarial, as muitas horas de dedicação com a mudança na cultura de trabalho pós pandemia.
Segundo Cappellano, para que as corporações pudessem cumprir as medidas exigidas pelo governo, teriam que olhar para seus problemas.
🔴 Além disso, os especialistas apontam que a saúde mental do trabalhador afeta economicamente o país e as empresas.
O INSS, que é responsável pelos pagamentos dos afastamentos, informou que em 2024 as pessoas ficaram, em média, três meses em licença, recebendo cerca de R$ 1,9 mil por mês. Considerando esses valores, o impacto pode ter chegado a até quase R$ 3 bilhões em 2024 só aos cofres públicos. Além disso, ainda há o custo disso para as empresas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 12 bilhões de dias úteis sejam perdidos globalmente, todos os anos, devido à depressão e ansiedade. Isso representa uma perda de 1 trilhão de dólares por ano.