Prioridade para a Receita Federal, o projeto que trata do devedor contumaz, aquele que não paga imposto de forma recorrente e usa a inadimplência como prática de negócio, deve ter a discussão retomada na Câmara dos Deputados na semana que vem. O deputado Danilo Forte (União-CE), relator do projeto na Comissão de Desenvolvimento Econômico (CDE), quer votar a proposta até o fim deste mês.
Ele se reuniu com o secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, e com empresários em um evento ontem em São Paulo, no qual foram acordadas mudanças no texto para garantir a diferenciação entre o devedor contumaz e os contribuintes de boa-fé que estão em débito com o Fisco por motivos específicos ou dificuldades momentâneas.
Na semana que vem, no primeiro esforço concentrado de votações da Câmara em meio à campanha para as eleições municipais, Danilo Forte vai conversar sobre o projeto com os líderes e já pretende apresentar seu relatório. O objetivo é votar o projeto na comissão, da qual é presidente, no segundo esforço concentrado, marcado para os dias 26, 27 e 28 deste mês.
O projeto caracteriza de forma objetiva o que é o devedor contumaz e aplica punições, como o cadastro em uma lista de contribuintes com “nome sujo”, a inabilitação do CNPJ e a impossibilidade de participar de licitações. Além disso, determina que o devedor contumaz, mesmo que pague suas dívidas, não será poupado da investigação no âmbito penal.
O tema vem sendo tratado como uma medida fundamental para combater o crime organizado, que tem buscado ampliar sua atuação na economia real.
‘Dentes para o Estado’
A proposta foi encaminhada pelo governo ao Congresso no início deste ano, mas sofreu um revés ainda no primeiro semestre diante da forte pressão de setores que se consideravam prejudicados. Como resultado, foi retirada a urgência do texto, que foi distribuído à CDE.
Na avaliação de Danilo Forte, há uma conjuntura favorável ao avanço da tramitação do projeto neste momento, tanto do lado do governo quanto dos parlamentares e das empresas.
— Eu acho que é um projeto que hoje atende uma demanda da sociedade, que é o combate ao crime organizado, que tomou outra feição, formando empresas, e, por sonegação, tem enriquecimento ilícito. O Brasil ilegal está tomando uma dimensão maior que o Brasil real.
Segundo o deputado, a prática do devedor contumaz prejudica o Orçamento, que perde receitas, e toda a sociedade, uma vez que a situação fiscal apertada pode acabar conduzindo ao aumento de impostos.
Em eventos públicos, o secretário da Receita vem repetindo que as estimativas da pasta apontam para cerca de mil devedores contumazes no país, com dívida acumulada de R$ 240 bilhões. O secretário já chegou a classificar contribuintes nessa situação como “bandidos”.
No setor produtivo, há também o entendimento de que é preciso avançar com a caracterização do devedor contumaz. O presidente executivo da Associação Brasileira de Companhias Abertas (Abrasca), Pablo Cesário, afirma que o projeto evoluiu bastante nas últimas semanas e agora está maduro.
Segundo Cesário, a criação de um critério objetivo para a definição do devedor contumaz é um requisito para o Ministério da Fazenda, a fim de tentar evitar que essas empresas fujam do Fisco ou da Justiça. O setor produtivo, no entanto, receia que contribuintes de boa-fé sejam colocados no mesmo balaio dos devedores contumazes.
— Vamos dar dentes para o Estado punir os devedores contumazes, mas não podem morder as empresas que estão com dificuldades pontuais ou que discordam da interpretação do Fisco — diz Cesário.
Exclusão de multa e juros
De acordo com o texto proposto pelo governo, será considerado devedor contumaz o contribuinte que tiver débitos tributários com a União sem garantias idôneas em valor superior a R$ 15 milhões e que esse montante supere o patrimônio da empresa. Ou que tenha dívida acima de R$ 15 milhões por mais de um ano.
A Abrasca defende que seja considerado apenas o valor do principal da dívida, sem juros, multa ou mora. Além disso, pede que sejam excluídas do critério as empresas que pagaram tributos nos últimos três anos em valor superior ao que estão devendo e que não sejam consideradas para habilitação disputas tributárias referentes a grandes teses, como aquelas sujeitas a transações tributárias.
O presidente do Instituto Combustível Legal (ICL), Emerson Kapaz, também considera que o projeto é importante, mesmo só tratando de impostos federais, para caracterizar pela primeira vez o que é devedor contumaz no Brasil. Kapaz diz ainda que houve avanços nas discussões para diferenciar quem está questionando legalmente as dívidas tributárias:
— Avançamos muito a ponto de que, se o relatório ficar como foi discutido, já dá para votar o projeto. Precisamos conhecer o parecer do relator. Tudo o que foi acordado ainda não está no papel.
Cesário também destacou a importância do projeto em relação à criação de programas com vantagens para bons contribuintes: o Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal, o Confia; e o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária, o Sintonia. As empresas que obtiverem os selos Confia e Sintonia terão desconto de 1% no pagamento à vista da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
— A Receita reconheceu que é injusto ser duro com todo mundo. É muito importante tratar os desiguais como desiguais — diz Cesário.
O GLOBO