Uma guerra de decisões liminares no setor de combustíveis tirou, pela primeira vez, a licença de operações de distribuidoras. Há anos sob pressão, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) revogou, em julho, a licença de operação de duas empresas do setor, Copape e Aster, comandadas pelos mesmos donos, Mohamad Hussein Mourad e Renato Camargo.
A partir daí seguiu-se uma sucessão de decisões na Justiça de primeiro grau e no Tribunal de Justiça da 1ª Região que configura a maior ofensiva sobre empresas que entidades como o Instituto Combustível Legal e Instituto Brasileiro de Petróleo tentam enquadrar como devedoras contumazes.
Em 11 de julho um despacho da ANP cassou a licença da Aster sob o argumento de que a empresa não havia regularizado débitos junto ao cadastro federal, o Cadin, e também operava com estrutura de tancagem irregular. Ambos são requisitos para a licença.
A empresa recorreu da decisão nas férias da desembargadora titular. Uma juíza substituta deferiu o pedido e, no dia 9 de agosto, a ANP devolveu a licença da Aster. Nesta segunda-feira (12), a desembargadora titular, Ana Carolina Roman, reassumiu e reformou a decisão.
Disse que apenas a primeira de 60 parcelas mensais de R$ 47 mil, decorrentes do acordo com a Advocacia Geral da União, foi paga pela Aster. Tampouco viu comprovação de que a estrutura logística da empresa tivesse sido regularizada junto à ANP. E, finalmente rejeitou o apelo em relação aos “vultuosos prejuízos” causados à inatividade da operação da empresa.
“Não cabe ao Poder Judiciário adentrar no mérito das decisões administrativas impugnadas, se imiscuindo, por exemplo, na ponderação do conjunto probatório”, diz a decisão. “Devem prevalecer os atos fiscalizatórios da ANP, os quais possuem presunção de legitimidade, principalmente porque, até o momento, não há prova robusta capaz de desconstituir os atos praticados pela agência”.
No final da tarde desta terça (13), a Aster entrou com agravo de instrumento argumentando que a decisão da desembargadora foi tomada sem que a “diretoria competente” da ANP tenha julgado o recurso administrativo apresentado pela empresa.
Num processo paralelo e de semelhante teor, a Copape também teve sua licença de operação cassada no dia 26 de julho. No despacho, a ANP cita, entre os ilícitos da empresa, a existência de instalações irregulares para a mistura de combustíveis, estoques incompatíveis com a capacidade de armazenamento, aquisição de GLP de empresas não autorizadas e importação de gasolina com tributo, mais baixo, referente à nafta.
Nesta segunda-feira, a procuradora da República Mirella de Carvalho Aguiar manifestou-se pela procedência da decisão da ANP. Nesta manifestação, a procuradora cita a ação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, de agosto de 2023, que revelou fraudes fiscais e venda de produtos adulterados. Cita ainda provas coletadas por meio de mensagem de aplicativos indicando a venda de aditivos para aumentar a octanagem da gasolina que aumentam a emissão de poluentes atmosféricos.
E, finalmente, a manifestação menciona os indícios identificados pelo Gaeco de que a Copape integra uma organização criminosa. “A requerente empregava de ilícitos civis, penais, mediante organização criminosa societária complexa”, diz, antes de concluir: “Quanto mais tempo o agente se encontrar autorizado a exercer a atividade e exercê-la neste formato irregular, por mais tempo os consumidores, o meio ambiente, o mercado e a administração pública estariam expostos”.
Depois de colher uma derrota na primeira instância e face à manifestação da Procuradoria da República, a Copape ingressou com um agravo de instrumento. O processo está com a desembargadora Rosana Weibel, do TRF-1.
Neste agravo, a Copape se diz alvo de uma “campanha difamatória” por parte de seus concorrentes. Relata ainda que seus esforços para exercer o contraditório e ampla defesa na ANP foram acolhidos com uma mensagem padrão indicando o prazo máximo de 20 dias para a manifestação da agência.
O Instituto Combustível Legal pediu para se habilitar como “amicus curiae” neste processo. Neste pedido, o ICL cita denúncia do MPSP, de que a Copape participa de um esquema de fraude de impostos que teria produzido uma sonegação de cerca de R$ 1 bilhão.
A convergência entre entidades do setor e a Agência Nacional de Petróleo é um dado novo neste embate. A pressão das entidades já moveu o Executivo a mobilizar o Congresso para votar a tipificação do devedor contumaz.
Na semana passada, a Associação Brasileira de Companhias Abertas promoveu reunião com o ICL e o IBP que teve por convidados o secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, e o relator do PL-15, deputado Danilo Fortes (União-CE). Os participantes saíram com a expectativa de que o relatório será votado até o fim do mês.
Valor Econômico